Não é só na área de propaganda e poluição visual que temos uma “legislação legal”, Santa Maria possui também o Caminhe Legal, que legisla a respeito dos passeios públicos. O decreto executivo tem como principal objetivo uma padronização de calçadas do perímetro urbano do município, garantia de condições ideais para caminhada, além de criar uma identidade visual para os bairros. A ideia toda é muito boa, mas a que pé anda isso tudo?
Vou relatar aqui a minha percepção, de atuação como arquiteto e como um caminhante nato, que adora não só caminhar, como correr, pedalar e perceber a cidade. A lei atualmente em vigor é o segundo projeto do caminhe legal, o primeiro foi criado em 2012 e já dispunha sobre regras para calçadas. Isso gerou um pequeno problema, pois uma mudança de padrões em apenas 5 anos fez com que obras novas já fossem concluídas com o padrão “antigo”. Os exemplos disso são alguns dos edifícios que projetamos, que foram aprovados no caminhe legal anterior (de 2012) e quando ficaram prontos a legislação tinha mudado, deixando uma calçada nova, porém desatualizada. Claro que o município não iria cobrar a calçada nova, mas agora é muito pouco provável que um edifício de 15 pavimentos proponha uma interferência grande na calçada nos próximos anos, ou seja, a chance é que essa calçada fique desatualizada por muito tempo. Planejamento urbano exige tempo, as medidas devem perdurar, e não mudar a qualquer momento, mas entendo também que se a primeira legislação estava ruim, o quanto antes mudar, melhor.
Independente disso, o Caminhe Legal vem sendo aplicado, a exemplo do que falamos sobre o Anuncie Legal, principalmente em projetos novos, e já dá para notar uma diferença onde isso ocorreu. Um exemplo polêmico é onde está a Farmácia DrogaRaia, onde edificações foram demolidas, com certa comoção de alguns arquitetos, mas que do ponto de vista urbano criaram um impacto positivo na caminhabilidade.
Instalação de Farmácia mostrou como é o padrão para a Avenida Presidente Vargas Padrão para as Avenidas coletoras Diferença entra calçada anterior, estreita e insegura
Outros pontos positivos podem ser vistos na cidade, como na Avenida Rio Branco ou em frente a algumas obras que acabaram de ficar prontas. Cabe aqui salientar que no caso das farmácias novas, como a DrogaRaia da Prof. Braga e a Farmácia São João da esquina da General Neto com a N. Sra. das Dores, falta a sensibilidade de deixar um espaço exclusivo para o pedestre acessar os edifícios. A ânsia em fazer tudo virar vaga de estacionamento e deixar o pedestre circular sem proteção acaba criando um espaço onde o carro tem prioridade e muitas vezes, quando o estacionamento da farmácia está cheia, fica difícil chegar até a porta da mesma, ou circular adequadamente pela calçada.
Na Avenida Rio Branco com o padrão para a mesma e a falta de continuidade Na Avenida Rio Branco com o padrão para a mesma Na Avenida Rio Branco com o padrão para a mesma
Mas como funciona o Caminhe legal? Em suma ele divida o passeio público em 3 faixas, a faixa de mobiliário urbano, que é de 80cm após o Meio Fio, a faixa caminhável, de no mínimo 150 cm, e a faixa que sobra, que pode ser preenchida com grama ou então com o mesmo piso do restante da calçada, dependendo do fluxo de pedestres e do bom senso do projeto.
Trecho do decreto que mostra as faixas
O principal problema do Caminhe legal, na minha opinião, é o mesmo do Anuncie Legal, o fato de não existir uma fiscalização eficiente e o aparente desconhecimento total de sua existência, pela população em geral. Muitas vezes os proprietários fazem reformas completas das suas calçadas sem levar em conta o padrão para seu lote/bairro, por desconhecimento mesmo, o que resulta em calçadas novas mas já fora de padrão. Isso sem contar o problema cultural no Brasil, onde a rua é paga pelo município e a calçada pelo proprietário, fazendo com que muitos proprietários se achem dono da calçada, ou ainda não cuidando ou não investindo na mesma (mas reclamando do calçamento ou asfalto da sua rua, por exemplo).
Quem deve pagar?
As calçadas, apesar de públicas, serem dever do proprietário, e talvez por isso estejamos com as calçadas em um estado tão ruim assim em Santa Maria. Já tivemos mais de um cliente de espaço comercial que queriam ajustar as calçadas para o Caminhe Legal, e com o investimento necessário para tal melhoria gostariam de abater um valor do aluguel. A intenção nem era descontar o valor de toda obra, somente uma parte, mas mesmo assim o proprietário recusou. A desvalorização das calçadas e a valorização do espaço da rua e do carro é cultural. Talvez isto também seja um reflexo da nossa sociedade, que normalmente quer receber tudo o possível do estado, mas não quer entregar nada de volta à sociedade.
Acredito na lei do Caminhe legal, e acredito também que aos poucos as calçadas padrão vão ir se espalhando pela cidade, deixando o espaço público mais uniforme e mais convidativo à caminhada. Se você pensa em reformar sua calçada, não deixe de consultar a legislação, e se possível, confira com um arquiteto um projeto para a sua calçada. Conte com a LP arquitetos sempre que precisar.
4 comentários em “Que tal o Caminhe Legal?”