O sonho da casa própria está enraizado na nossa cultura, é algo que vimos nossos pais lutando para ter, algo que representava uma conquista, e ao mesmo tempo uma segurança, de ter uma propriedade. Independente se comprada ou construída, a casa própria tem seu peso no imaginário da família brasileira.
Muitas vezes quando, vamos projetar uma casa ou um apartamento para um cliente, colocamos nossa energia em captar o máximo que conseguimos de desejos e necessidades, para que o projeto saia sob medida para eles. É engraçado, que quando trabalhamos em projetos de apartamentos, os clientes muitas vezes falam em um tom de moradia transitória, que parece que o apartamento tem tempo para durar. Já quando trabalhamos em projetos de casa, a ideia é que a casa é para a vida toda, e o cuidado, pelos próprios clientes, é muito maior.
Nesse caso, o nosso exercício de elencar as necessidades vai ao futuro, aí às vezes projetamos pensando a longo prazo, às vezes com espera de elevador, suíte no pavimento térreo, quarto para mãe, para cuidadora… Enfim, mas será mesmo a casa própria, construída, a casa para vida toda?
Nossa vida tem um ciclo, que envolve trabalho, escolher viver com alguém, escolher ter filhos, aí os filhos são pequenos, pré adolescentes e depois adolescentes, até virarem jovens adultos, casarem, terem suas casas e voltar para visitar a sua casa. A casa pode começar mais vazia, encher de gente e depois acabar se esvaziando novamente, somente com o casal ou com um só em casa. A nossa vida muda muito, nossas necessidades também, e nossa tomada de decisões é influenciada principalmente pelas nossas necessidades atuais. Ou seja, a casa da vida toda, muitas vezes tem tomadas de decisões que resolvem os problemas de hoje… ela é tudo que tu e tua família precisam para o momento. E isso não está errado, talvez o que esteja equivocado seja pensar que um imóvel vai obrigatoriamente servir para a gente a vida toda. Ele pode servir, tem vários casos assim, mas o importante é ele servir enquanto for útil para você e sua família.
Tenho visto muitos casais com mais idade, ou ainda viúvas e viúvos, se mudarem para apartamentos, onde tem mais acessibilidade e segurança que na sua antiga casa, na qual moraram a maior parte da vida com sua família. E apesar do menor espaço, passam a construir relações com vizinhos novos e a terem uma cidade aos seus pés (edifícios costumam ficar mais próximos de serviços e do centro da cidade).
Já escrevi um texto sobre como a sociedade, e nesse caso as famílias mesmo, são líquidas e os imóveis, a arquitetura é sólida. Então, além dos imóveis terem uma boa capacidade de adaptação, a gente também precisa se adaptar. Talvez nosso ciclo seja ir mudando de imóvel em imóvel, como um nômade que acha uma caverna ou monta uma cabana que melhor se adapte às necessidades do momento.
Impossível não lembrar da anedota que envolve a avó de minha esposa, que falava que tinha tirado leite da vaca a vida toda, o que segundo relatos não era verdade, e os netos naturalmente completavam, “a vida toda da vaca” no caso né. Talvez a casa ou apartamento seja para vida toda que durar ali, depois nossa vida vai para outra casa, e aquela casa ou apartamento vai atender a outra família.
Temos que ter em mente que a arquitetura dura mais do que geralmente nossas necessidades perduram, e não podemos ter medo de reformar, nos mudar ou construir espaços que atendam melhor nossas necessidades atuais.
A casa é para a vida toda que durar ali.