Você já reformou ou modificou, mesmo que apenas um pedaço, o seu imóvel nos últimos 5 anos? Se a resposta é não, é provável que você está alugando um imóvel (e não quer investir) ou ainda não conseguiu destinar recursos para isso, mas possivelmente isto está em seus planos. Isso ocorre por que nossas necessidades estão cada vez mais específicas, e existe sempre uma maneira do imóvel nos atender melhor, seja integrando uma peça ou espaço subutilizado ou ainda adaptando o espaço com mobiliário.
Esta semana finalizei um livro de Richard Sennet, “Construir e Habitar – Ética para uma cidade aberta”, ondo o autor aborda assuntos relativos à cidade e à sociedade em geral, fazendo reflexões em cima de dados e experimentos realizados ao longo da história, buscando respostas de como podemos pensar e planejar melhor uma cidade. No começo do livro ele explica o conceito histórico francês de ville e cité, onde o primeiro surgiu com o significado de cidade como um todo e o segundo era uma determinada localidade, região ou bairro. Aos poucos o conceito de cité mudou para o modo de vida de um bairro, os sentimentos que ligam vizinhos ou moradores de uma região. Em suma, a ideia era que ville represente o ambiente construído e cité como as pessoas habitam esse meio, algo como as relações sociais e culturais da sociedade.
Essas “duas cidades” ficaram na minha cabeça e, junto com outros conceitos do livro, me levaram à reflexão sobre como uma molda a outra, ou ainda como uma é reflexo da outra. Afinal, a cidade e as edificações têm poder de interferência na sociedade ou a sociedade que molda as edificações. Uma principal diferença entre elas, principalmente nos últimos 100 anos é a velocidade de mutação. A ville (cidade física) é perene, demora a mudar, é solida e duradoura, enquanto a cité (costumes, sociedade) é liquida, agitada, e vem mudando com uma velocidade cada vez maior. Isso tudo leva a mais uma reflexão: como podemos projetar a cidade de maneira a atender, e continuar sempre atendendo, a sociedade, a cité?
Hoje os edifícios são projetados para durarem, no mínimo. segundo a norma de desempenho, 50 anos. Isso é o mínimo exigido por norma, mas bem sabemos que edificações podem durar muito mais. Mas quanto que a nossa sociedade e relações sociais vão mudar neste tempo? Fazendo o caminho reverso, os edifícios, aqui em Santa Maria mesmo, que foram projetados e tem 50 anos, estão em boas condições físicas, mas possuem elevadores lentos, poucas garagens, escadas que não atendem norma, apartamentos de zelador, dependência de empregada, somente um banheiro e várias outros detalhes que não são utilizados, ou são considerados ruins ou indesejáveis hoje em dia. Esse é um dos motivos de você querer reformar ou modificar a casa/apartamento que você mora, nem que seja para tirar o revestimento, que apesar de boas condições de conservação, pode não atender ao critério estético que você acredita. A edificação é só um detalhe, as ruas, calçadas e outros elementos urbanos também vão durar e demoram mais para mudar que as relações sociais e a sociedade. Hoje, modificamos e adaptamos casas para bares, clínicas ou outras atividades comerciais, mas à medida que vamos aumentar a densidade urbana, vamos precisar adaptar edificações maiores. As alternativas à adaptação são: derrubar as edificações, para dar lugar a novas, ou ainda, pouco a pouco, abandoná-las, deslocando todos os serviços ou moradias que nela estão, para buscar um espaço melhor. Isso causa um dano ainda maior, pois acaba acarretando em edificações, ou uma região inteira, abandonadas.
Hoje conheço apartamentos grandes demais, que dificultam a comercialização, além de salas comerciais mobiliadas e equipadas com características que já não atendem mais às novas necessidades, legais, sociais ou estéticas. A dificuldade de negociação (venda ou locação) destes e tantos outros tipos e imóveis, se dá pelos mesmos não atenderem mais, justamente, as novas características da cité. Na minha opinião precisamos, como arquitetos, trabalhar em duas questões:
1 – Aprender a intervir melhor em edificações, a tendência é esse tipo de projeto aumentar com o passar dos anos. Assim, acho também que as faculdades de arquitetura e urbanismo deveriam dar mais atenção ao tema. As disciplinas que abordam o assunto, no geral, tratam de intervenção em patrimônio histórico, carregadas de outras tantas problemáticas, mas não da discussão acerca das reformas em si, para adaptações de uso e adequação a novos mercados. Esta poderia ainda ser uma segunda abordagem sobre esse tema.
2- Projetar edificações que possam ser mais maleáveis às mudanças sociais. Não tem como saber para onde vão as alterações da sociedade, mas uma edificação com possibilidades de alteração de planta, alteração de fachada e com acessibilidade e infra estrutura com folga são o começo para deixar a ville apta a ser adaptada às mudanças da cité.
As mudanças, na minha opinião, cabem também aos órgãos públicos. Devemos ser mais sensatos e desamarrar um pouco da burocracia, permitindo mais modificações e intervenções nas cidades e nas edificações. Assim, otimizamos infraestrutura e damos mais capacidade de adaptação da ville à cité.
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Um comentário em “A ville, a cité e as adaptações das edifiações”