Em 2015, em meio ao acompanhamento da obra do Residencial Fernando Pessoa, localizado na Rua Antônio Lozza, no Bairro Nossa Senhora de Lourdes, um corretor apareceu oferecendo um terreno duas casas abaixo do prédio, procurando saber se a construtora não teria interesse em um terreno próximo à obra. Lembro de o engenheiro ter pedido para eu olhar o terreno, e de alguma forma verificar as dimensões do mesmo.
Foi nos passado a informação de que o terreno tinha na escritura cerca de 13 ou 14 metros, não lembro bem, porém tinha fisicamente, na realidade, mais de 18 metros, possuindo cerca de 5 metros a mais na sua largura em relação ao escriturado. Isso se devia a uma rua projetada ao lado do terreno, que subdividiria a quadra existente atualmente. Logo veio a explicação também de que, possivelmente, a rua não sairia, e que algum advogado já teria dito que conseguiria averbar aquela área ao terreno e ao projeto. Não precisa dizer que não embarcamos nessa né!
Com o passar do tempo fui percebendo que a rua projetada existe, somente nunca foi feita, e hoje os terrenos acabam usando esse espaço como pátio ou garagem para suas dependências. Percebi também, ao longo do andamento da obra do Residencial Fernando Pessoa, que a construção de um outro edifício estava sendo executada duas ruas atrás, bem próximo ao que seria a tal rua projetada. Ao chegar na frente desta construção, percebi que a rua projetada estava sendo executada, bem junto ao prédio, e o edifício que seria em um lote com uma só testada agora passava a ser um edifício de esquina. Achei interessante que, mesmo em um bairro bem consolidado como o Nossa Senhora de Lourdes, ainda estava se abrindo e executando novas ruas. A via foi aberta somente até a metade, acompanhando a lateral do lote do edifício em questão, pois o outro pedaço – que a conectaria à Rua Conrado Hofman – já está ocupado com casas e um pavilhão, o que constituiu em uma via pela metade, sem saída. Até hoje mostro a curiosa rua nova com apenas 35 metros de comprimento.
Seguidamente fico pensando na tal rua, que é uma via normal, até larga para um fluxo muito pequeno de veículos (restrito basicamente aos moradores do prédio lindeiro à ela). Esses dias passei ali novamente, e como moro nas redondezas, fiquei pensando na falta de áreas de lazer e como aquele espaço público é desperdiçado. Fiquei pensando se essa rua um dia vai ser finalizada, e se de fato, com o fluxo de veículos e o bairro hoje, se ela deveria ser finalizada do jeito que foi projetada, se teria esta necessidade.


Acredito que seria uma excelente oportunidade de fazer uma rua mais atual aos tempos de hoje, que entregue mais ao bairro e seus usuários e não só ao fluxo de veículos. Poderia ser uma rua mais estreita, e de repente com um calçadão, uma praça linear ao longo dela, algo como a Jane Jacobs incitava. Não precisamos ter somente áreas de lazer concentradas, praças e parques amplos, mas pequenos espaços de lazer ao longo da cidade qualificam os bairros e geram sentimento de pertencimento ao mesmo, inclusive pequenos gestos, como uma larga calçada arborizada, já são suficientes para vizinhos ocuparem para tomar mate, por exemplo. Imagine o caso desta rua, o seu gabarito atual facilmente poderia abrigar 2 “pistas” com ida e volta, sem estacionamento. Isso permitiria agregar possivelmente mais de 5 metros à calçada. Nessa calçada poderiam ter bancos, brinquedos de crianças e uma área de lazer que convide o pedestre a atravessar o bairro pela nova via. Uma via nova, mas com cara de século XXI, e não uma rua do jeito que se fazem as ruas desde que os carros surgiram, com calçadas estreitas e muito espaço destinado ao trânsito de veículos.



Acho que esse pensamento deveria ser o dos projetistas e planejadores urbanos, “qual é a melhor solução para esse local específico?” e não simplesmente aplicar o manual, de decisões por vezes tomadas em outras realidades, que são sempre passíveis de atualização. Já temos vários exemplos de vias recém inauguradas que parecem ter sido feitas há mais de 50 anos, com os mesmos problemas. O maior exemplo talvez seja a Travessia Urbana, projeto que prevê a duplicação das rodovias que passam por Santa Maria. São mais de 300 milhões de reais investidos em um projeto que não prevê nenhuma ciclovia ou corredor de ônibus, parece ir na contramão do que se pensa de mobilidade urbana nos dias de hoje. Fico pensando quais outras ruas estão sendo reformadas e construídas, ainda da mesma maneira que se fazia rua há mais de 50 anos. Precisamos ressignificar as vias, o espaço público em geral, e entender que existem outras maneiras de pensar esse sistema. Hoje, a maior parte do espaço público é entregue ao carro, que parece ter prioridade mesmo quando está passando pela calçada. Nenhuma cidade do mundo resolveu a mobilidade aumentando a via e o fluxo de carros! Já falamos sobre isso aqui. Um exemplo é o que foi feito em Curitiba, numa área central e mostrado aqui no Archdaily.
Assim como arquitetos devem projetar edificações que atendam as necessidades do seu tempo, estejam atualizados com o que existe de melhor, precisamos de planejadores que construam cidades que funcionem melhor para todos, e não somente para o seu modal preferido e utilizado