Residencial Vinicius de Moraes: os índices urbanos, as justificativas e as “desculpas”

Sempre que encontro ex-colegas de faculdade, que hoje são colegas de profissão, conversamos sobre diversos assuntos, como a cidade, os projetos, que cada um está realizando, e a vida profissional. Um dos assuntos de uma dessas conversas foi um projeto do escritório LP arquitetos, escritório o qual fundei (com alguns colegas) e hoje atuo. O projeto em questão é um edifício residencial que recém começou a ser executado, mas o tapume no local já chamou a atenção. Logo comecei a explicar o projeto me apoiando na legislação urbana, tentando justificar o tamanho (altura e áreas) do edifício, que parece grande demais para o terreno. Senti que eu e a minha mulher, a arquiteta Renata Zampieri, falávamos em um tom de justificativa, como se estivéssemos na defensiva em relação ao porte e algumas resoluções projetuais.

A Renata também é arquiteta e urbanista, nos conhecemos na faculdade, e estamos juntos desde o terço final do Curso. Ela fundou o escritório junto comigo e atuou por uns bons anos nele, mas sabiamente soube mudar de carreira, e foi para sua maior vocação, a academia. Hoje é professora na UFSM, Campus Cachoeira do Sul, onde também é coordenadora de curso, muito interessada em ensino de arquitetura em geral, na melhoria do sistema de ensino-aprendizagem e na estrutura organizacional do curso. Não tem interesse em só fazer o seu trabalho e ir embora, dedica-se a tentar corrigir todas as falhas que encontra.

Mas enfim, falávamos sobre o projeto que tínhamos colocado no site, o Residencial Vinícius de Moraes... O Residencial Vinicius de Moraes está localizado na Av. Nossa Senhora das Dores, número 900, quase na esquina da rótula do Idealista. Ele possui 17 pavimentos e 50 apartamentos, que variam de cerca 85 m² até alguns com um pouco mais de 200,00 m². A edificação fica localizada na zona 1.2 do PDDUA-SM, conhecida como corredor de urbanidade, a zona com maior potencial construtivo do município. O PDDUA-SM, concluído em 2004, foi desenvolvido por uma equipe multidisciplinar, acompanhada por uma consultoria externa, especializada em elaboração de planos diretores. O documento completo está disponível no site do município de Santa Maria.

Aqui você pode acessar o Plano Diretor completo

O conceito por trás do corredor de urbanidade é o adensamento urbano a partir de áreas que possuem gabarito suficiente para abrigar a infraestrutura urbana. Dessa forma, o adensamento ocorre onde a via  ou a malha urbana possa suportar as consequências do mesmo. Segue aqui três mapas do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental de Santa Maria. Esses mapas são o resultado de um diagnóstico, e são quase que auto explicativos, vão da macroescala para uma escala de zoneamento urbano.

O Anexo C mostra o município todo de Santa Maria, e o nó de rodovias no qual está situado, por estar no centro do estado. O Anexo D  é um zoom do anexo C, com medidas a serem implantadas no distrito sede (praticamente o perímetro urbano), demostrando os limites físicos (serra) e o desenvolvimento longitudinal que a cidade possui. Dessa forma, entende-se Santa Maria com três núcleos: Camobi, Centro e Zona Oeste (COHABs). Essa linearidade ajudou no desenvolvimento de avenidas que receberam incentivos através de altos índices construtivos (claro que o diagnóstico não foi tão simplista e envolve muitos outros fatores, mas não vou me alongar aqui). Veja o mapa das zonas no Anexo E. Assim, resumidamente, surgiu a diretriz do corredor de urbanidade, desenvolvido nas maiores avenidas e valorizando a longitudinalidade da cidade.

Ao longo da minha carreira, aprendei que outras áreas de conhecimento colaboram muito para a interpretação de problemas de outra forma, com outra visão. E com relação à cidade,  aprendi que ela e os seus ocupantes são objeto de estudo de muitas áreas. Muitas vezes os arquitetos insistem em se achar o maior organizador da cidade, o planejador, como se estivessem acima das outras áreas, mas claramente não estamos, caminhamos junto com elas! 

Sabendo da interdisciplinaridade inerente à cidade e ao urbanismo, busquei áreas de meu interesse e acabei chegando a textos e livros sobre economia e estatística. Após alguns livros cheguei em “O Triunfo da Cidade”, do economista Edward Glaeser. A resenha do livro deixo para outro post, mas para o caso do Vinicius de Moraes ele contribui para um raciocínio que eu já tinha, mas que não conseguia organizar de maneira clara, que são os benefícios do adensamento Urbano. O autor explica, ao longo de vários trechos do livro, como uma cidade restritiva, em termos de construção, pode se tornar cara. Um caso clássico disso é São Francisco, na Califórnia, onde baixos índices construtivos elevam preços de aluguel e de compra e venda de imóveis. Isso ocorre em várias regiões do país e do estado, com menos imoveis ofertados do que a demanda, os preços sobem e expulsam dessas áreas quem não tem recurso financeiro. Em suma, a baixa densidade não colabora para uma cidade democrática. 

Outro exemplo é Paris. Todos que vão à capital francesa ficam apaixonado pela uniformidade dos 6 pavimentos (25 metros de altura) colados nas divisas dos lotes, conformando a quadra e a rua. Porém a cidade francesa trabalha com um índice de densidade bem grande (quase 20 vezes a densidade de Porto Alegre) e mesmo assim não é um dos metros quadrados mais baratos do mundo, pois a construção é restrita. Além disso existe uma série de outros fatores positivos que a densidade urbana trás, como o fator ecológico. Sim, pessoas morando perto produzem menos impacto na construção de suas moradas, no deslocamento para trabalho e na gestão de resíduos. Ou ainda podemos falar da segurança: maior densidade aumenta o fluxo de pessoas na rua e em locais públicos, aumentando a sensação de segurança e diminuindo a área e distâncias para serem policiadas.

É evidente que a densidade não resolve todos os problemas da cidade, são necessárias outras medidas vinculadas, como a mescla de usos comerciais, serviços e residencias, o acerto no tamanho das quadras, a criação de ruas e avenidas com espaços caminháveis, etc. Eu acredito firmemente na cidade, e que ela é a solução para a moradia e a melhoria da qualidade de vida para o futuro. Acredito também que os arquitetos e urbanistas tem ainda muito o que escutar e aprender com outras áreas, como geografia, sociologia, economia e estatística. Tenho convicção que no plano de trabalho real, as soluções são multidisciplinares, e que esses egoísmos arquitetônicos de nossa parte ocorrem só em discussões informais.  

Depois de algumas reflexões, posso dizer que eu acredito que estamos trabalhando para solucionar problemas que a cidade possui,  e passei a apresentar o projeto numa boa, como parte de uma solução possível para a cidade. Afinal, ele corrobora com o que a equipe multidisciplinar que desenvolveu o PDDUA de Santa Maria definiu como meta de desenvolvimento para a cidade: a densificação dos corredores de urbanidade.

Algumas outras reportagens sobre assuntos tratados aqui:

https://smartasset.com/mortgage/what-is-the-cost-of-living-in-san-francisco

http://thecityfixbrasil.com/2017/05/31/o-que-gera-a-densidade-urbana-e-quais-os-efeitos-do-adensamento-nas-cidades/

E se quiser comprar o livro, é esse aqui.

Escrito por

Gaúcho, Santa Mariense, Arquiteto e Urbanista que um dia foi anarquista.

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