A culpa também é nossa

As pessoas não deviam perder entes queridos assim, é muito triste perder irmão, filhos, amigos, futuros pais, não deveria ser assim, é simplesmente muito triste, muita gente louca para viver, não dá para mensurar a dor que as pessoas estão sentindo. Não conseguimos achar razão para esse tipo de coisa acontecer e logo queremos saber como aconteceu e de quem é a culpa. Assim saímos exigindo que os culpados paguem, ainda mais em uma situação que tudo indica que poderia ter sido evitada. Ao que tudo indica a negligência e o despreparo foi um fator determinante nessa tragédia. Mas a negligência é de quem?

Uma série fatores juntos levaram a um péssimo resultado, parece que conjecturaram, parece que se fosse outra banda, outra boate, outro extintor, outra porta, outra fiscalização – tudo seria diferente – menos trágico ou não aconteceria, mas não foi assim. Sempre teremos legalmente a quem responsabilizar, assim com uma investigação chegaremos a quem irá personificar a negligência. Mas de verdade o que isso significa, como a negligência ou o despreparo chegou ali. O real problema é que todos somos negligentes, é como se a negligência estivesse dentro da gente como que fôssemos dentro da lei e da norma até ela nos incomodar, até ela atrapalhar. Somo corretos com tudo, mas às vezes negligentes ao dirigir acima do limite de velocidade, afinal esse limite é baixo, negligentes ao não usar a cadeirinha para crianças no carro, afinal a criança cansa de ficar ali, negligentes ao não usar capacete em obra, afinal é chato e quente, negligentes em usar um sinalizador em local fechado, mas também todo mundo usa e nunca deu problema, negligentes em mudar o projeto do espaço sem consultar as normas, afinal são uma chatice, negligente em não usar um material mais adequado para o isolamento do forro, afinal nem sabia que tinha, despreparado em não ter um equipamento de combate ao incêndio adequado ou um ponto eletrônico entre seguranças, afinal como vai pegar fogo aqui e para o quê comunicação, negligentes em deixar funcionar um estabelecimento mesmo sem o alvará, afinal parece estar tudo em dia, negligentes em nem aprovar um projeto antes de executar a obra, negligente em ter um sistema público que demora a dar retorno para aprovar um projeto, negligente em mesmo fora de hora de serviço ser fiscal e não cobrar ao ver que uma obra está acontecendo. Mas no começo do dia 27 de Janeiro na Rua Andradas em Santa Mariam (RS), ao que tudo indica, uma série de negligências e despreparos foram fundamentais para acabar com uma cidade.

Quando se passa em frente a boate e sente o cheiro que parece de plástico queimado a vontade é de jogar lá dentro quem possa ser responsável, mas para mim hoje, existe uma grande confusão entre justiça e vingança, não consigo imaginar má intenção ou dor menor pelos “responsáveis”. Não podemos assumir uma postura ativa para incriminar somente depois que aconteceu o fato, não me parece certo. Imagine a série de negligências que cometemos e deixamos acontecer, e que só não viram tragédias porquê tragédias precisam juntar mais de uma negligência ou descaso. Vamos, nós, cuidarmos mais e assumir a culpa por nem lembrarmos e sabermos que precisamos exigir o alvará  de onde vamos, por quando virmos uma saída de emergência obstruída ou que virou camarim e deixarmos de lado, por termos feitos ponderações somente depois do acidente e por outras tantas pequenas negligências que deixamos acontecer.

Nós precisamos cobrar dos órgãos responsáveis como isso ocorreu, cobrar fiscalização, pois eles tem a confiança e a fé pública, mesmo que não respondam legalmente devem assumir seus papéis de liderança e assumir que fizeram só o texto da lei e não tudo que podiam. Mas principalmente nós, as pessoas da área, precisamos ter conhecimento da legislação e fiscalizar, às vezes numa política de camaradagem deixamos passar muita coisa, para amigos, para nós, não há fiscais melhores que os usuários. Precisamos fiscalizar não só as boates, mas os orgãos que deviam fiscalizar os clubes. Nessa vontade de buscar e punir os responsáveis, todos começam a se calcar de pontos que no fim não fazem chegar ao que realmente aconteceu, e assim dificultam prevenções futuras. É muito triste e eu sinto muito pelos familiares e amigos, existem responsáveis majoritários que os atos foram cruciais e tem culpa nessa tragédia, mas não intenção, só porque a tragédia é horrível não devemos desejar o mesmo e mais sofrimento na pele dos outros. Quanto a negligência, para mim fica claro que neste caso só precisávamos de uns poucos chatos que não tolerariam os descasos, alguém que mesmo fora do horário de serviço também analisasse. Fica claro que precisamos ser mais presente como cidadão em todas as horas, fica claro que precisamos assumir a culpa como um todo por crescer e valorizar essa cultura da negligência, fica claro para mim que tenho pelo menos uma parte de culpa nessa cultura da negligência. Desculpa.

Escrito por

Gaúcho, Santa Mariense, Arquiteto e Urbanista que um dia foi anarquista.

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